26 outubro 2016

Convenção bruxólica


Há pouco mais de 25 anos estreou, na extinta Rede Manchete, a minissérie Ilha das Bruxas. Com direção de Henrique Martins e Álvaro Fugulin, foi a primeira e única escrita pelo ator Paulo Figueiredo.


Inspirada na obra do pesquisador catarinense Franklin Cascaes (1908-1983), era a história dos mistérios da Ilha de Santa Catarina, envolvendo cultos de bruxas e o sobrenatural. Cascaes utilizou seu talento para registrar o universo legado pelos antigos colonos açorianos através de seus descendentes. Em sua incansável pesquisa, desenvolvida ao longo de 30 anos, preservou a memória da cultura popular da Ilha de Santa Catarina.


Os relatos documentados por Cascaes serviram de base para o roteiro da minissérie, feito por Paulo Figueiredo, com argumento de Bebel Orofino Schaefer. Várias das histórias foram sabiamente costuradas e formaram a trama de Ilha das Bruxas.

Paulo Figueiredo
Pedro (Irving São Paulo), um jovem pescador, namora Alice (Daniela Camargo), filha de Giuliano (Eduardo Conde) e Alma (Denise Del Vecchio). A moça é neta de dona Ludovica (Miriam Pires), a dominadora e misteriosa mãe de Giuliano. Mas o jovem Washinghton (Nelson Freitas), filho do truculento agricultor Geraldo Sem Medo (Umberto Magnani) e de Aquilina (Maria Helena Dias), também é apaixonado por Alicinha.

Alicinha e Pedro
O romance de Pedro e Alicinha é conturbado, pois o rapaz é alvo da cobiça de Selena (Dedina Bernardelli), uma jovem bruxa que sai durante a noite para enfeitiçá-lo e seduzi-lo. Aparentemente vinda do passado, Selena esconde um poderoso segredo, que faz com que ela e Pedro sejam intimamente ligados. O pai do rapaz, o doutor Benzedor (Isaac Bardavid), médico aposentado e curandeiro da região, desconfia que o filho esteja sob "influência bruxólica".

Selena
A verdade é que, no dia a dia, as bruxas da remota ilha são mulheres comuns, esposas submissas e insuspeitas. À noite, secretamente, se reúnem para suas convenções bruxólicas e seus rituais diabólicos, regados a sangue de bebês. Ludovica é, na verdade, a líder das bruxas da ilha. É ela quem influencia Aquilina, Domingas (Desireé Vignolli) e Mariana (Ana Cecília Costa), além de várias outras mulheres do lugarejo. Revoltadas com a opressão masculina e com seu papel inferiorizante, elas se reúnem na floresta e celebram seus poderes ocultos e maléficos, enfeitiçando homens e se vingando deles.

Dona Ludovica

Domingas

Aquilina
Só quem pode desmascarar as bruxas e enfrentá-las de igual para igual são o doutor Benzedor e Constância (Wanda Cosmo), a benquista benzedeira da ilha, uma espécie de "bruxa do bem". No meio disso, o assassinato de um velho gringo pesquisador, William (Rubens Corrêa) tem que ser solucionado. Ele chegou perto de descobrir o segredo das bruxas e acabou misteriosamente assassinado. Cabe ao frouxo delegado Leandro (Camilo Bevilacqua) a difícil missão de desvendar o crime. O filho de William, David (Leonardo Franco), e Jessica (Julia Lemmertz), a jovem viúva do pesquisador (de quem David era amante) chegam à ilha para tentar esclarecer as circunstâncias misteriosas da morte do gringo.

Dona Constância e doutor Benzedor
Apesar de sua produção modesta, a minissérie conseguiu manter um raro clima sombrio de mistério e suspense ao longo de seus capítulos, reminiscente dos antigos filmes de terror. Um feito não muito comum em séries brasileiras de TV na época. Mas a Manchete gostava de ousar em sua teledramaturgia e não poupou temas polêmicos em Ilha das Bruxas: cenas fortes, mostrando rituais de magia negra, bebês de verdade tendo seu sangue sugado, pragas das bruxas envolvendo cobras, aranhas e morcegos, cenas picantes de sexo. Tudo isso deixou a trama mais pesada, mas inegavelmente assustadora.

Anúncio no Jornal do Brasil, na semana de estréia da minissérie

O elenco é ótimo. Entre veteranos e rostos pouco conhecidos, alguns jovens em início de carreira também participaram da minissérie, como André Gonçalves, em seu primeiro papel da TV, e o então novato Nelson Freitas.



Nelson Freitas como Washington
André Gonçalves como Tonico

02 outubro 2016

Se beber (e/ou estiver apaixonado), não dirija


A música pop, frequentemente alegre, irreverente ou romântica, também teve seus momentos de tragédia. Curiosamente, entre as canções que costumo ouvir no dia a dia, notei três que têm letras cujos casais foram separados por uma morte trágica, de desastre de carro. Existem várias músicas cujas letras tratam de pessoas mortas em acidentes de automóvel, mas essas três me chamaram a atenção por fazerem parte da minha playlist e também porque todas elas envolvem casais. Pelo visto, houve um tempo em que essa temática era garantia de sucesso nas músicas.


Por ordem cronológica, a primeira é Tell Laura I Love Her, composta por Jeff Barry e Ben Raleigh e lançada pelo cantor americano Ray Peterson, em 1960. O sucesso foi imediato. A letra trata da história trágica do jovem Tommy, apaixonado por uma garota chamada Laura. Ele pretende casar-se com ela e inscreve-se em um torneio automobilístico, com a intenção de usar o prêmio de mil dólares para comprar um anel de noivado e encher sua amada de presentes. Mas o carro do jovem rapaz capota e pega fogo, matando-o. Suas últimas palavras são "Tell Laura I love her... My love for her will never die" ("Diga a Laura que a amo... Meu amor por ela nunca morrerá"). Regravada por diversos artistas em vários idiomas diferentes, a composição tornou-se hit em mais de quatorze países e vendeu mais de 7 milhões de cópias. A versão de Ricky Valance, lançada no mesmo ano, alcançou o 1° lugar também na Inglaterra.



A outra canção da minha seleção é Hello, This Is Joannie, lançada pelo cantor americano Paul Evans em 1979. Na letra, o narrador tem uma discussão com sua namorada Joannie, depois de exagerarem na bebida. Brava, ela deixa a casa do namorado intempestivamente. Passada a onda da bebedeira, ele se arrepende e telefona para sua garota no dia seguinte. Mas tudo que consegue ouvir é a mensagem da secretária eletrônica: 

"Hello, this is Joannie, I'm sorry but I'm not home / But if you leave me your name and number / I promise, soon as I get in I'll phone" [Olá, aqui é a Joannie, desculpe, não estou em casa / Mas se você deixar seu nome e seu número / Prometo ligar assim que chegar em casa].

Após algumas tentativas frustradas em que só conseguia ouvir a mensagem da secretária eletrônica, o namorado finalmente recebe uma ligação de volta da casa de Joannie. Mas não era sua namorada e sim uma amiga avisando que Joannie sofrera um acidente de carro na noite anterior, voltando pra casa, e tinha morrido. Inconsolável, o único jeito que o namorado tem agora de ouvir sua amada é telefonando para a casa dela e ouvindo incessantemente sua mensagem na secretária eletrônica.


Sob um aspecto, Hello, This Is Joannie foi até inovadora, pois quando foi composta (em 1978), secretárias eletrônicas ainda eram coisa rara e estavam longe de serem tão populares como se tornariam na década seguinte. Ao longo dos anos, mensagens de secretárias eletrônicas tornaram-se comuns na música pop.

A terceira canção dessa funesta lista é Suzy And Jeffrey, do Blondie. Lançada em 1980, foi o lado B do compacto The Tide Is High, mas não fez parte do álbum de enorme sucesso que o grupo havia lançado naquele ano, Autoamerican.

Composta por Deborah Harry, vocalista do Blondie, e Nigel Harrison, baixista do grupo, a letra de Suzy And Jeffrey fala de um jovem casal prestes a se casar. Planejavam uma bela lua-de-mel e tudo mais que um casal de pombinhos tem direito. Eles estão dirigindo a caminho do laboratório onde farão o exame de sangue para poderem, enfim, se casar. Mas durante o trajeto, surgem dúvidas, receios... Começam a se alfinetar e a discussão engrossa tanto (pelo que dá pra deduzir) que eles jogam o carro contra um muro e acabam mortos. A letra é sombria mesmo, apesar de ter uma melodia agradável e até melancólica.