29 dezembro 2014

Música sarada


Malhar (ou 'treinar', como gostam de falar hoje em dia) nunca esteve tão em alta. A geração dos ratos de academia está cada vez com mais foco no que consideram um ideal de beleza física, ainda que isso implique em ingestão de remédios, intervenções cirúrgicas arriscadas e exageros que frequentemente resultam em bizarrices estéticas.

Mas no final dos anos 70, quando a geração saúde começou a surgir, quem queria estar na crista da onda tinha que fazer cooper e também frequentar academias de ginástica. Mas era mais descontraído. Não havia essa cobrança exagerada pela 'perfeição física' e nem a competitividade para ver quem malha mais.


Depois das revoluções comportamentais dos anos 60, da descoberta e popularização das drogas e dos excessos dos anos 70, as pessoas passaram a querer cuidar mais da saúde e do corpo. E também, claro, exercitar o narcisismo, já que tanto o corpo feminino como o masculino passaram a ser mais expostos no dia a dia e na mídia.

Academias começaram a pipocar mundo afora e as pessoas passaram a aderir à moda (que, na época, tinha mais ênfase na saúde do que meramente na estética.) A nova tendência ganhou espaço na TV, no cinema, nas revistas e, é claro, na música.

Schwarzenegger e Stallone: a estética dos anos 80, hoje datada
Mas até então, a imagem da mulher-objeto era algo comum em filmes e revistas e já enraizado no imaginário popular. Foi quando começou-se a divulgar o homem-objeto. Na concepção da época, o sonho das mulheres era ter, a seu dispor, um homem forte, musculoso e saudável. O estereótipo do fisiculturista dos anos 80. O curioso é que, hoje, essa estética é mais apreciada no mundo gay e pouco associada à virilidade idealizada pelas mulheres nos homens heterossexuais.

Em 1978, o Village People, no auge do sucesso e dominando as discotecas ao redor do mundo, lançou um de seus maiores hits, Macho Man. A canção celebrava o culto ao corpo masculino e satirizava o estilo 'machão de academia'. O videoclipe mostrava os rapazes cantando e dançando enquanto se exercitavam em aparelhos de ginástica e exibiam os corpos bem torneados. Tudo com muita irreverência, bem ao gosto do grupo. A faísca estava lançada.

Cena do clipe Macho Man (1978)
Celi Bee também teve seu momento de sucesso nas pistas de dança naquele mesmo ano, com Macho (A Real, Real One), um disco hit que exaltava a persona do machão conquistador e egocêntrico. 

No ano seguinte, a Ritchie Family, cujo produtor era Jacques Morali (o mesmo do Village People) lançou It's a Man's World, do álbum Bad Reputation. Não teve o mesmo sucesso de Macho Man, mas o clipe apresentava fisiculturistas suados se exercitando entre as animadas cantoras do trio.



O próprio Village People usou e abusou do recurso de usar homens musculosos se exercitando em trajes sumários, na sequência de Y.M.C.A. do filme A Música Não Pode Parar (Can't Stop The Music, 1980). Valerie Perrine se esbalda com os rapazes do Village e outros homens que fazem ginástica durante o número.

Valerie Perrine em A Música Não Pode Parar (1980), na cena de Y.M.C.A.
Em 1980, no especial de TV Goldie & Liza, de Goldie Hawn e Liza Minnelli, Goldie fez sua versão de Y.M.C.A. No quadro, a atriz canta em um cenário repleto de homens musculosos usando shorts minúsculos e camisetas justas, malhando em aparelhos de ginástica. A moça fica empolgada com tantos rapazes sarados dando sopa. Mas, no final, percebe que não faria muito sucesso entre eles...


Goldie Hawn no especial Goldie & Liza (1980)
Essa moda atingiria seu auge em 1981, quando Olivia Newton-John deu adeus à sua imagem de garota bem comportada, cortou o cabelo e surgiu toda 'prafrentex' cantando Physical, que virou hit instantaneamente nos quatro cantos do planeta. No clipe, Olivia aparece como uma espécie de instrutora de vários rapazes gorduchos que, após muita malhação, se transformam em homens com corpos esculturais à la Rambo, como era o padrão da época. Todos suados e com sunguinhas cavadas, se exibindo e se contorcendo enquanto Olivia canta. O final, inusitado, tem a mesma premissa da sequência de Y.M.C.A. apresentada por Goldie Hawn: não é bem como a personagem do clipe esperava, mas é engraçado.

Cenas do clipe Physical (1981)


O álbum Physical foi um dos mais vendidos do ano e fez surgir um sem-número de outras artistas lançando músicas e clipes com homens musculosos de sunga. A obscura cantora Vanessa pegou carona e lançou Upside Down em 1982. Assim como no clipe de Olivia, Vanessa aparecia cantando, toda serelepe, entre fisiculturistas suados se exercitando de sunga.


Cenas do clipe Upside Down (1982)
Também em 1982, Diana Ross não ficou para trás e lançou Muscles. No clipe, fisiculturistas de sunga levantam a cama em que a cantora está, onde ela canta numa espécie de sonho com homens musculosos.

Cena do clipe Muscles (1982)
Quem também celebrou o corpo masculino e a fartura de músculos foram as espevitadas Weather Girls, com It's Raining Men, hit de 1982 que se tornou hino gay. Como o próprio título diz, o clipe mostra uma chuva de homens, todos de sunga (mas nem todos sarados). O disco vendeu mais de 6 milhões de cópias no mundo. Nesse caso, não choveu na horta das cantoras que haviam recusado a canção antes: Diana Ross, Donna Summer, Cher e Barbra Streisand. 

Cena do clipe It's Raining Men (1982)
Em 1983 foi a vez de Miquel Brown com So Many Man So Little Time, novamente celebrando a grande quantidade de homens e o tempo que era curto para tamanha profusão de sarados característicos das academias do começo dos anos 80: loiros, morenos, latinos, cabelos encaracolados, lisos, bigode etc. O clipe mostra todos eles exibindo seus corpos de sunga e fazendo caras sérias e altamente canastronas que, hoje, de sexy não têm nada. Mas provocam boas risadas.

Clipe So Many Men, So Little Time (1983)
Ainda em 1983, a música brasileira entrou na onda da geração saúde, mas sem ênfase nos músculos. Marcos Valle lançou seu álbum que continha a canção Estrelar (o compacto vendeu cerca de 90 mil cópias): "Tem que correr, tem que suar, tem que malhar (vamos lá!) / Musculação, respiração, ar no pulmão (vamos lá!)"

O LP de Marcos Valle com o hit Estrelar (1983)

Em 1984, Marcos continuou apostando na linha saudável e lançou o compacto simples com a canção Bicicleta, que se tornou outro grande sucesso na época: "Na bicicleta, bicicleta / Eu vou pedalar minha bicicleta".

Bicicleta (1984)
Eartha Kitt também entrou na dança em 1984. Com quase 50 anos na época, a ex-Mulher Gato do seriado de TV Batman não se fez de rogada: gravou I Love Men, produzida por  Jacques Morali, que já havia feito sucesso produzindo Village People e The Ritchie Family.


Cenas do clipe I Love Men (1984)
Até Agnetha Fältskog, a recatada loira do ABBA, correu atrás de um fisiculturista no clipe de I Won't Let You Go, um de seus hits solo de 1985.


Cenas do clipe I Won't Let You Go (1985)


13 dezembro 2014

Minha febre que nunca passou


Dizer qual é seu filme favorito não é tarefa simples. Primeiro, porque é praticamente impossível eleger um único filme como o seu preferido. Segundo, porque nossa percepção e até nosso gosto mudam ao longo dos anos. Mas existem aqueles filmes que nos acompanham a vida toda e pelos quais temos um afeto especial, mesmo depois de muitos anos. Para mim, Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever) é esse filme. 


Não vou me ater às informações de produção, especulações de bastidores ou curiosidades das gravações. Elas são muitas e podem ser facilmente encontradas aos montes na internet. Além disso, mesmo quem não curte ou nunca viu, sabe que esse foi o filme que revelou John Travolta para o mundo e fez as canções dos Bee Gees serem incessantemente tocadas em todo o planeta. 

Devia ter uns 13 anos quando assisti pela primeira vez. Foi no Festival de Férias, da Globo. (A Sessão da Tarde virava Festival de Férias nos meses de férias escolares das crianças). Gravei o filme e realmente peguei a 'febre' dos embalos. Fiquei tão fascinado que passei a ver o filme quase todos os dias. De quebra, ainda obrigava meu irmãozinho a assistir também, pobrezinho. 



As músicas e as danças me cativaram logo de cara. Desde a infância, sempre fui obcecado pela década de 1970. Com o passar do tempo, comecei a enxergar o filme além do ritmo das canções de discoteca. Mas não parei mais de ouvir a trilha sonora, até hoje um dos 10 discos mais vendidos de todos os tempos. Como o aniversário da estreia do filme está bem próximo, resolvi falar um pouco sobre ele.

Naquele distante 16 de dezembro de 1977, ninguém imaginava que Saturday Night Fever se tornaria o epíteto de toda uma geração. Tampouco que arrebataria o mundo. Um filme despretensioso e sem grandes astros - na época Travolta ainda não era o ícone que viraria logo após a estreia do longa (que, no Brasil, só aconteceu em 3 de julho de 1978). É claro que esse sucesso, em grande parte, se deve ao carisma e beleza de Travolta e às músicas dos Bee Gees, compostas especialmente para o filme.



Muitas vezes erroneamente classificado como "musical", Embalos é, na verdade, um drama. A discoteca, assim como as músicas que pontuam a história, servem de pano de fundo. Dizem muito sobre o personagem principal, Tony Manero, imortalizado por Travolta, mas não fazem do filme um musical propriamente, daqueles em que os personagens literalmente cantam a história.

E a narrativa, ao contrário do que muitos pensam, vai além de passos de dança espetacularmente coreografados numa discoteca. Lida com aquela dura fase na vida dos jovens: a hora de encarar o começo do amadurecimento que antecede a chamada vida adulta. A busca por melhores oportunidades e reconhecimento, a aceitação entre os amigos, a diferença entre amizade e sexo, a vontade de vencer e as inseguranças em relação ao futuro. Aliás, ainda no começo do filme, o personagem Tony diz: "Dane-se o futuro". Ao que seu chefe responde: "Não, Tony. O futuro nunca se dana. Ele dana você". Já de cara sentimos o pessimismo adulto que perpassa a história, contrapondo-se aos anseios românticos e inconsequentes da juventude.

Saturday Night Fever era também o filme favorito do crítico de cinema Gene Siskel. Diz a lenda que Siskel o assistiu dezenas de vezes. Quando li isso, há alguns anos, me identifiquei imediatamente. Todos nós temos filmes assim, que transcendem o mero julgamento de 'bom' ou 'ruim' e ganham espaço cativo entre nossos prazeres mais queridos.

Siskel gostava tanto que arrematou o lendário terno de poliéster usado por Tony Manero, em um leilão, em 1979. Quando morreu, em 1999, o terno foi arrematado em outro leilão por outro aficionado, que optou por se manter anônimo. "O ritual [do personagem de Travolta] de escolher as roupas para sair à noite, em um mundo só dele, e desconectado da realidade de sua vida, ressoou em mim", contou o novo dono do terno ao jornal britânico The Guardian. "Foi o primeiro filme que eu amei de verdade".


Detalhe: originalmente, a cena da reta final do filme, em que Tony Manero dança no concurso da discoteca, seria feita com um terno preto. Mas a figurinista, Patrizia Von Brandenstein, insistiu no branco, que ela havia comprado por uma bagatela em uma loja do Brooklyn, mesmo bairro onde morava o personagem de Travolta.

A diferença entre Os Embalos de Sábado à Noite e outros filmes que exploravam a era disco é que Embalos usou a moda das discotecas como background para contar um drama juvenil. Outros filmes da época, como Até Que Enfim É Sexta-Feira (Thank God It's Friday), só para citar um exemplo, tinham o foco no modismo da discoteca em si. Eram filmes feitos apenas para explorar a disco music. Aliás, não tenho nada contra esses filmes, pelo contrário. Vi muitos e me diverti com todos deles. Mas, no que diz respeito à história e aos personagens, são absolutamente irrelevantes (o que não significa que não sejam também entretenimento, ainda que mais pueris).  

Trecho da crítica não muito positiva da revista Veja
Curioso pensar em Saturday Nigth Fever hoje. Nos últimos vinte e poucos anos, revi o filme incontáveis vezes e fui juntando tudo que conseguia: recortes, revistas, livros, discos... Minha surrada fita de vídeo com a versão dublada, gravada do Festival de Férias, deu lugar ao VHS original, legendado, que por sua vez cedeu espaço ao DVD, com direito à edição especial e tudo. E, há alguns meses, passei pela maravilhosa experiência de assistir à cópia restaurada do filme no cinema, no telão do Cinemark. Me empolguei como se estivesse vendo pela primeira vez. De fato, no cinema, foi a primeira vez mesmo.


Semana que vem o filme completa 37 anos. Jovem para ser chamado de 'coroa' e envelhecido para ser chamado de 'atual'. É, sem sombra de dúvida, o retrato dos anseios e catarses de uma geração. Uma coisa, no entanto, permanece atual em Saturday Night Fever: o desejo que os jovens têm de fugir de uma realidade sem grandes perspectivas, socialmente 'imposta', e alcançar o que consideram sua versão de sucesso na vida. Para muitos, essa é uma febre que pode ir muito além dos juvenis embalos de sábado à noite.

29 novembro 2014

Como anunciado no rádio e na TV


No final dos anos 60, o empresário canadense Philip Kives fundou a K-Tel, companhia de discos famosa por suas coletâneas "As-Seen-On-TV" (aqui no Brasil, "Como anunciado no Rádio e na TV"). Sempre cheio de ideias, Kives (daí o 'K' de K-Tel) já tinha trabalhado como vendedor de porta em porta e também em loja de departamentos.


No começo da década de 1960, usou sabiamente a propaganda de televisão para vender frigideiras de Teflon (na época, ainda novidade). Dessa forma, conseguia atingir um grande público de uma só vez.

Em 1966, Kives lançou a primeira coletânea, um apanhado de 25 canções country, batizada de 25 Great Country Artists Singing Their Original Hits. Apesar de criativo, Kives nunca planejou essa incursão ao mercado fonográfico. Na época, foi apenas mais uma de suas muitas ideias. "Pensei: 'por que não montar um disco'? Achei que seria algo inovador", disse ele, em 2005. "As pessoas me disseram 'isso não vai funcionar'. Hoje em dia todos os grandes selos lançam coletâneas, mas o meu foi o primeiro."


A K-Tel foi formalmente fundada em 1968. Com enorme sucesso e popularidade na década de 1970, a companhia se expandiu rapidamente, espalhando subsidiárias pelo mundo. A grande sacada era montar coletâneas de artistas variados da época, que estavam nas paradas de sucesso do momento. Os LPs da K-Tel tinha, geralmente, 20 faixas - o que era uma grande novidade, já que os LPs tradicionais comportavam, no máximo 14 faixas.



O segredo era editar cada faixa. Ou seja: reduzir as canções, de forma que tivessem a duração diminuída. Dessa forma, cabia um número maior de faixas no disco. O slogan das coletâneas da K-Tel era: "20 Original Hits! 20 Original Stars!". Alguns discos vinham até com 24 faixas. Um verdadeiro luxo naqueles distantes anos 70!




Outra particularidade das coletâneas da K-Tel era o título: os discos eram sempre temáticos e a arte gráfica era feita de acordo com o tema de cada álbum.

Sempre montadas seguindo as músicas que estavam no topo da hit parade, essas coletâneas formavam uma salada musical do que fazia sucesso na época. Canções dançantes, baladas românticas e rock dividiam o mesmo LP, para alegria geral dos consumidores de música pop.




Alguns discos, no entanto, eram dedicados a gêneros específicos, como por exemplo rock, discothèque, flashback ou música italiana. A mais famosa dessa série temática foi Hooked on Classics, até hoje muito conhecida. Lançado em 1981, o álbum era um grande pot-pourri que reunia trechos de obras conhecidas da música clássica, como diz o próprio nome. As faixas ganharam uma batida mais acentuada, com arranjos modernos, que pendiam para o rock ou para a disco music.




A ideia foi de Louis Clark, arranjador musical da Electric Light Orchestra e também maestro da Royal Philharmonic Orchestra. Hooked on Classics fez tanto sucesso que deu origem a outros volumes. Os seguintes, no entanto, não chegaram a fazer o mesmo sucesso do primeiro. Mas a coleção teve um efeito positivo: aproximou e reavivou o interesse da nova geração por música clássica. Vendeu mais de 10 milhões de cópias.

No começo dos anos 80, a K-Tel já havia vendido meio bilhão de discos ao redor do mundo. Mas por volta de 1984, empreendimentos de alto risco já haviam minado a estabilidade econômica da K-Tel e a empresa perdeu espaço no mercado. Mas até hoje seus discos figuram nos melhores sebos mundo afora e suas coletâneas continuam fazendo a alegria dos colecionadores e saudosistas.