12 março 2024

3 atrizes antes da fama em 3 telefilmes obscuros da década de 1970

Meryl Streep, Kim Basinger e Carrie Fisher. Essas três atrizes começaram suas carreiras na década de 1970. Já no final daquela década, Meryl se consagrou mundialmente. Kim ficaria muito conhecida nos anos 1980 e foi uma das atrizes mais populares daquela década. Carrie explodiu no final dos anos 1970. Conhecidíssima por seu papel em Guerra nas Estrelas, além de atriz, era também escritora talentosa. Sua carreira, infelizmente, desandou nos anos 1980, devido a problemas pessoais. As três deram seus primeiros passos em filmes para a TV, há muito esquecidos. Resgato aqui três desses telefilmes.



Meryl Streep

Temporada Mortal (The Deadliest Season, 1977)

Um jogador profissional de hockey (interpretado por Michael Moriarty) é afastado de seu time por não ser "agressivo o bastante". Em dificuldades financeiras com a esposa, vivida por Meryl Streep, vê-se forçado a atuar em uma equipe inferior. Mas muda sua tática e passa a oferecer às plateias o que elas querem: brutalidade em excesso. Durante uma partida, fere gravemente seu melhor amigo, que morre no hospital. O jogador é acusado de homicídio.



Streep faz aqui sua estreia na TV, em um papel pequeno, mas que já mostrava seu talento. No mesmo ano, estreou também no cinema, em Julia (Julia, 1977), de Fred Zinnemann. No ano seguinte, brilhou na TV novamente, com a minissérie Holocausto (Holocaust, 1978), dirigida por Marvin J. Chomsky, e no cinema com O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978), de Michael Cimino, pelo qual foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. No filme seguinte, Kramer vs. Kramer (Kramer vs. Kramer, 1979), de Robert Benton, levou o Oscar. Tornou-se, a partir de então, uma das maiores e mais premiadas atrizes do mundo. 

Dirigido por Robert Markowitz, Temporada Mortal estreou na TV americana em 16 de março de 1977, na CBS. Na TV brasileira, foi exibido pela primeira vez em 9 de setembro de 1980, na Globo, com o título Morte Sobre o Gelo. No final daquela década, foi reprisado na Manchete.

Temporada Mortal foi lançado em VHS aqui no Brasil na década de 1980, quando Streep já era uma atriz de sucesso. A capa oportunista ostentava uma foto grande e aleatória da atriz, embora ela seja coadjuvante.


Kim Basinger

Retrato de Modelo (Katie: Portrait of a Centerfold, 1978)

Típica história de uma ingênua rainha de concurso de beleza do interior do Texas, vivida por Kim Basinger, indo atrás do sonho de se tornar atriz em Hollywood. Mas as coisas não saem como ela esperava. A jovem posa para uma revista duvidosa e tem que deixar sua cidade natal devido aos problemas que a foto criou para ela e sua família. 



Um dos primeiros papéis de Basinger na TV. Ela já havia feito pontas em alguns telefilmes e seriados da época, como As Panteras e O Homem de Seis Milhões de Dólares. Mas só se tornaria conhecida mundialmente na década de 1980, a partir do filme 9 1/2 Semanas de Amor (Nine 1/2 Weeks, 1986), de Adrian Lyne.

Retrato de Modelo tinha também no elenco outro nome que se tornaria muito conhecido na década seguinte: Don Johnson, o detetive da popular série de TV Miami Vice (1984-1989), sucesso mundial nos anos 1980. 

Dirigido por Robert Greenwald (que dois anos depois faria o lendário Xanadu), o telefilme estreou na TV americana em 23 de outubro de 1978, na NBC. A estreia aqui no Brasil foi em 25 de julho de 1981, na Globo. Na edição daquele dia do Jornal do Brasil, Hugo Gomez disse em sua coluna Os filmes de hoje: "Francamente reminiscente do começo da carreira de Marilyn Monroe, não faltando, inclusive, a famosa foto nua. Como o realizador é desconhecido e se trata de uma produção de TV, convém não esperar mais do que uma versão condensada de O Vale das Bonecas. A intérprete é muito bonita, o que, se as expectativas negativas se confirmarem, servirá para amenizar o desapontamento." (Jornal do Brasil, 25 de julho de 1981) 


Carrie Fisher

Deixe ontem para trás (Leave Yesterday Behind, 1978)

Neste romântico telefilme dirigido por Richard Michaels, Carrie Fisher interpreta uma moça dedicada que ajuda um jovem a superar dificuldades emocionais. O rapaz (vivido por John Ritter), que ficou paraplégico após sofrer um acidente durante um jogo de polo, precisa deixar de lado a revolta e a autopiedade para encontrar sentido em sua vida. Ninguém melhor que a personagem de Carrie para motivá-lo.


Apesar da premissa, a história não é tão melosa quanto parece, mas também não é profunda. Ainda assim, este humilde telefilme é o desempenho mais substancial de Fisher nos anos 1970, além de seu icônico papel de Princesa Leia em Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977), de George Lucas.

A verdade é que fora da saga de Star Wars, ela teve muito mais sucesso como escritora do que como atriz. A maioria de seus papéis no cinema são secundários, apesar de seu talento (prejudicado por problemas de sua vida pessoal).

Estreou na TV americana em 14 de maio de 1978, na ABC. Três anos depois, chegou ao Brasil, com primeira exibição em 19 de agosto de 1981, na Globo, onde foi reprisado algumas vezes. Nos anos 1990, foi exibido nas madrugadas do SBT, com legendas (e não dublado, como havia originalmente ido ao ar na Globo).

05 março 2024

As trilhas “não oficiais” de Anjo Mau e Locomotivas

Ao longo dos anos, já fiz várias postagens sobre “trilhas sonoras não oficiais” de algumas novelas da Globo. (No final deste texto, deixarei os links recapitulando todas).

Na verdade, o que chamo de “trilha não oficial” é basicamente um apanhado de canções que apareceram em novelas, mas que não faziam parte da trilha nacional e nem da internacional.

Entretanto, o que mais chama a atenção é o punhado de músicas instrumentais (as chamadas trilhas incidentais), muito usadas nas novelas das décadas de 1970 e de 1980 (e, em proporção menor, nos anos 1990). Em sua maioria, faixas instrumentais provenientes de filmes estrangeiros.

Quem assiste a novelas antigas percebe isso muito facilmente: o uso, em grande parte das cenas, de música incidental – também conhecida como “música de cena” ou “música de fundo” – pontuando a ação (seja em momentos de tensão, suspense, drama, humor ou romance). 

Esses temas costumavam ser pinçados de trilhas sonoras de filmes estrangeiros. De tão martelados nas novelas, nós aqui os associamos à nossa teledramaturgia e seus respectivos personagens e situações. Na maioria dos casos, o público brasileiro nem desconfiava que aquelas músicas haviam sido “emprestadas” de filmes norte-americanos ou europeus.

Alguns desses filmes tornaram-se conhecidos, outros caíram na obscuridade total. O fato é que naquelas décadas (de 1970 e 1980), a execução de temas de filmes gringos em novelas brasileiras era algo mais ou menos na linha do “terra de ninguém”. Provavelmente a Globo não pagava direitos autorais ou, no máximo, talvez tenha pagado uma ninharia. Naquele tempo as coisas eram, digamos, mais... flexíveis.

Vale lembrar que essas músicas instrumentais apareciam em um filme, por exemplo, mas logo eram esquecidas. Tirando temas clássicos que se tornaram marcantes e inconfundíveis, como os do Super-Homem e do Indiana Jones, por exemplo, a maioria dessas músicas instrumentais vinha de filmes não muito conhecidos ou produções de pouco destaque nos cinemas brasileiros. Dificilmente alguém conheceria aqueles temas ou sequer se lembraria de já tê-los (possivelmente) escutado antes em algum filme.

Mas nossas novelas não usavam só trilhas sonoras de filmes estrangeiros. Em alguns casos, também pegavam temas instrumentais de seriados americanos e de artistas estrangeiros – geralmente de álbuns que não eram muito populares aqui – pouco conhecidos do grande público que via novelas.


Detalhes técnicos: se os personagens ouvem, a trilha tem um nome. Se o público ouve, tem outro nome.


Há uma diferença, no entanto, entre a música utilizada como elemento narrativo na novela (aquela que só o público ouve, a trilha incidental) e a música que está tocando ao fundo, dentro da história, durante uma cena (e os personagens ouvem). Como quando os personagens estão em casa ouvindo o rádio, por exemplo, ou estão em um restaurante, bar ou festa e há música tocando ao fundo naquele ambiente. Essa é a chamada trilha diegética.

Como explica Henrique Castro no site do Instituto de Cinema de São Paulo, em seu artigo O som do cinema: trilhas diegéticas e extra diegéticas: “A música diegética, portanto, é quando a fonte sonora está na cena, não é uma trilha para a audiência, mas uma música, um som, um ruído, ou silêncio, que todos ouvem. Ela aproxima a plateia da ação em tela.”

Nas novelas Dancin’ Days (1978) e Água Viva (1980), por exemplo, a música diegética incluía diversas canções (bem mais que em outras novelas) que não faziam parte das respectivas trilhas sonoras, mas que tocavam em ambientes e festas dentro dessas novelas. Várias músicas que tocavam nas discotecas de Dancin' Days, por exemplo, não faziam parte da trilha sonora oficial da novela.

Sobre trilhas incidentais, temos dois bons exemplos em duas novelas de Cassiano Gabus Mendes da década de 1970: Anjo Mau (1976) e Locomotivas (1977), ambas exibidas pela Rede Globo.


ANJO MAU (1976)

Em Anjo Mau, houve a utilização quase integral da trilha sonora instrumental do thriller político Os Três Dias do Condor (Three Days of the Condor, 1975), de Sydney Pollack. Estrelado por Robert Redford e Faye Dunaway, o longa teve a trilha composta por Dave Grusin (responsável por inúmeras trilhas memoráveis do cinema americano).

O curioso é que a elogiada trilha de Os Três Dias do Condor tornou-se clássica entre apreciadores de cinema nos EUA e recebeu até indicação ao Grammy. A novela Anjo Mau usou e abusou de sua execução na trama — no que foi extremamente bem-sucedida, pois as músicas se mesclaram muito bem aos dramas e maquinações da novela.

Condor! era muito usada nas tramoias de Nice (Susana Vieira) e nas cenas em geral. Yellow Panic estava presente em cenas de tensão ou suspense. Flight Of The Condor e We'll Bring You Home (variação de Condor!) também eram bastante usadas em cenas gerais. Já os momentos românticos de Nice e Rodrigo (José Wilker) eram pontuados por  Goodbye For Kathy (Love Theme From 3 Days Of The Condor). Sua variação, Spies Of A Feather, Flocking Together (Love Theme From 3 Days Of The Condor) também era usada em cenas românticas.

Os Três Dias do Condor estreou nos Estados Unidos em setembro de 1975 e no Brasil em março de 1976. Ou seja: na exibição original da primeira versão de Anjo Mau, o filme estava no auge.

Na novela, uma outra música instrumental também foi bastante utilizada: Defense De Stationner, do italiano Ennio Morricone, o “papa” dos compositores do cinema, autor de incontáveis trilhas de filmes de várias nacionalidades, dos mais baratos e obscuros aos mais famosos e elogiados.

Defense De Stationner foi pescada da trilha sonora de Medo Sobre a Cidade (Peur sur la ville / The Night Caller, 1975), longa francês de Henri Verneuil, estrelado por Jean-Paul Belmondo, na época o galã mais cotado do cinema francês.

Na novela, a música era suave e pontuava cenas cotidianas e amenas. Mas o filme é um thriller repleto de ação, assassinatos e situações rocambolescas. Estreou na França em abril de 1975 e no Brasil em outubro do mesmo ano.


Quanto à trilha diegética de Anjo Mau, Philadelphia Freedom, hit recente de Elton John na época, tocou algumas vezes no rádio de alguns personagens da novela. E algumas outras canções que não faziam parte da trilha oficial apareceram nas cenas que se passavam na boate 706, com participação do então iniciante Djavan.


LOCOMOTIVAS (1977)

Em Locomotivas, três grupos de músicas instrumentais dominaram a trama: o álbum Salongo (1976), do compositor e pianista Ramsey Lewis, mestre americano do jazz; o álbum Futures (1977), do icônico e premiadíssimo compositor americano Burt Bacharach; e a trilha sonora do filme A Última Loucura de Mel Brooks (Silent Movie, 1976), dirigido e estrelado por Mel Brooks.

De Salongo, três faixas eram bastante utilizadas: Rubato, em cenas de emoção; Nicole, muito usada ao longo de toda a novela, principalmente para Fernanda (Lucélia Santos); e Seventh Fold, que pontuava os embates de Fernanda e também cenas de tensão ou discussões.

Da trilha de A Última Loucura de Mel Brooks, um tema utilizado em Locomotivas foi também reaproveitado em Guerra dos Sexos (1983): Burt Reynolds' House, muito usado nas duas novelas. Além disso, outras faixas desse filme foram reutilizadas nos anos 1980, nas novelas Guerra dos Sexos (1983) e Cambalacho (1986), ambas de Silvio de Abreu.

Tanto Burt Reynolds' House quanto suas variações – Sneak Preview e Liza Minnelli and Knights in Armor – eram usadas para o salão da personagem Kiki Blanche (Eva Todor) e cenas leves ou bem-humoradas em geral. Como música de fundo em cenas de bar ou restaurante, Anne Bancroft Entrance & Rio Bomba Bossa foi bastante executada na novela.

A Última Loucura de Mel Brooks estreou nos EUA em junho de 1976. Em dezembro daquele ano, chegou aos cinemas brasileiros e permaneceu até o começo de 1977. Ou seja: quando Locomotivas estreou na nossa TV, o filme de Mel Brooks era bem recente. Com isso, dá pra deduzir  que a Globo praticamente tirava essas faixas ainda quentinhas, "direto do forno", e as utilizava nas novelas. 

Do álbum Futures, três músicas marcavam presença na novela: a faixa-título Futures, em cenas gerais; Another Spring Will Rise, também para cenas gerais; e Time And Tenderness, em cenas gerais ou românticas.

Uma música instrumental bastante presente na novela foi Coeur d’artichaut, do compositor e maestro romeno Vladimir Cosma, que se notabilizou na França e nos Estados Unidos compondo trilhas para vários filmes. A faixa, bastante usada principalmente nas cenas de Netinho (Dennis Carvalho) e dona Margarida (Miriam Pires), foi retirada da trilha sonora do filme francês A Asa ou a Coxa (L'aile ou la cuisse, 1976), de Claude Zidi.

Outro álbum também teve uma faixa bem presente em Locomotivas: Breezin’ (1976), de George Benson. A introdução da faixa-título pontuou várias cenas, enquanto o resto da canção foi usado em cenas variadas, como música de fundo em festas. Lançado em março de 1976, Breezin' não só ficou no topo das paradas na categoria jazz, como também alcançou o primeiro lugar nas paradas pop e R&B e tornou-se um dos álbuns de jazz mais vendidos de todos os tempos. Faixas do mesmo álbum foram usadas depois em Baila Comigo (1981).

Quanto às músicas diegéticas, Locomotivas foi uma verdadeira salada de sucessos: só nas cenas da festa de aniversário de Patrícia (Elizângela) desfilaram vários hits que faziam a cabeça da rapaziada na época: I Wanna Funk With You Tonight, do álbum Knights in White Satin (1976), de Giorgio Moroder; Midnite Lady, do álbum Love in C Minor (1976), de Cerrone; All Night Long, Whisper Softly e Little Children, do álbum Open Sesame (1976), do Kool & The Gang; Everybody's Talking 'Bout Love, do álbum Madhouse (1976), do Silver Convention; Hold Back The Water, do álbum Bachman-Turner Overdrive (1973), de Bachman-Turner Overdrive; Let's Get It Together, do álbum Let's Get It Together (1976), do El Coco; Love Me, do álbum Do It Your Way (1976), do Crown Heights Affair; e Isn't She Lovely, do álbum Songs in the Key of Life (1976), de Stevie Wonder.

A faixa-título do LP Love in C Minor, do Cerrone, também tocou na festa de Patrícia. Mas, neste caso, a canção fazia parte da trilha internacional da novela (embora, no LP da novela, aparecesse drasticamente editada por questões de espaço, coisa muito comum em coletâneas da época).

As irmãs Fernanda (Lucélia Santos) e Renata (Thais de Andrade) costumavam ouvir “discos jovens” na vitrola da sala. Em determinado capítulo, Renata coloca para tocar Nice And Slow, lançada originalmente por Jesse Green no álbum Nice And Slow (1976). A faixa fazia parte da trilha de outra novela daquela época, Duas Vidas (1976-1977), mas em versão de John Blackinsell.

Para finalizar, a trilha diegética de Locomotivas teve algumas canções nacionais utilizadas como música de fundo no bar de Vitor (Isaac Bardavid). Quatro delas faziam parte da trilha nacional da novela Duas Vidas: Menina de Cabelos Longo, de Agepê; Sorte Tem Quem Acredita Nela, de Fernando Mendes; Choro Chorão, de Martinho da Vila; e Cuide-se Bem, de Guilherme Arantes. 

A velha guarda também deu as caras na novela: Última Estrofe Nada Além, cantadas por Orlando Silva, eram canções que Kiki Blanche (Eva Todor) escutava na vitrola de sua sala para recordar seu passado.



O FIM DAS TRILHAS INCIDENTAIS “EMPRESTADAS” DE FILMES GRINGOS


No final dos anos 1980, o bem-desenvolvido padrão de produção das telenovelas da Globo já estava mais que estabelecido. Além das trilhas sonoras das novelas, lançadas pela Som Livre, a empresa criava também suas próprias trilhas incidentais para cada novela, com um time de compositores, maestros e músicos contratados para aquela função: Cesar Camargo Mariano, Leo Gandelman, André Sperling, Ary Sperling, Roger Henri, grupos Nova Era, A Caverna e vários outros (alguns creditados apenas como "Instrumental"). 

Some-se a isso o fato de que, a partir dos anos 1990, questões de direitos de uso e licenciamento já eram monitoradas com maior rigor. Os meios de comunicação haviam evoluído consideravelmente e as  telenovelas da Globo já rodavam o mundo. Não dava mais para usar "impunemente" trilhas de filmes gringos.


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👍 Agradeço a contribuição dos queridos Sebastião Uellington Pereira (@Ti4oNoveleiro) e Daniel Ferreira (@D4N1EL77) na listagem das músicas "não oficiais" usadas nas novelas deste post.

👉 Para informações detalhadas sobre as novelas, acesse o Teledramaturgia, do Nilson Xavier.


📌Para quem quiser ler minhas outras postagens sobre "trilhas não oficiais" de novelas, deixo os links abaixo:

A trilha sonora "não oficial" de Água Viva

Orquestra Água Viva

A trilha sonora não oficial de Dancin' Days

A trilha sonora não oficial de Vale Tudo

Além da trilha oficial de Selva de Pedra (1972)

A trilha não oficial de A Gata Comeu e outras novelas


📌Sobre trilhas sonoras de novelas: 

Novelas pouco memoráveis, trilhas internacionais marcantes

A trilha internacional de Baila Comigo, faixa a faixa

25 fevereiro 2024

Chanchada italiana na discoteca com John Travolta e Cicciolina?

John Travolto... da un insolito destino (1979) 

No drama chileno Tony Manero (2008), dirigido e escrito por Pablo Larraín, Raúl Peralta (Alfredo Castro), um homem de 50 e poucos anos, é fascinado por Tony Manero, o icônico personagem interpretado por John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever, 1977). A história se passa em 1978, quando Os Embalos e a febre das discotecas estavam no auge. A obsessão de Raúl é tamanha que ele pretende vencer, a qualquer custo, um concurso de imitadores de Travolta na TV. E isso o leva também a revelar seu lado psicopata.

É verdade que essa incursão pouco usual no universo do personagem de John Travolta ganhou contornos bem sombrios no longa chileno. Em nada remete ao clima colorido e dançante de Os Embalos de Sábado à Noite, que John Badham dirigira três décadas antes.

Mas lá no final da década de 1970, quando a moda das discotecas dominava os quatro cantos do planeta e John Travolta era o ídolo máximo, todos queriam ser um pouco Travolta. Os homens o imitavam e as mulheres o cobiçavam. Vários filmes tentavam pegar carona na onda das discotecas e no sucesso de Os Embalos.


A edição da revista Veja de 30 de agosto de 1978 trazia uma extensa matéria, de quatro páginas, sobre a “ travoltecamania”:


(...) À semelhança do enredo do filme [Os Embalos de Sábado à Noite] — onde John Travolta vive um balconista suburbano transformado em rei quando entra na pista de dança para dançar —, organizam-se concursos de dança com prêmios tão valiosos como viagens à Europa ou reluzentes automóveis. (...) A febre atingiu tal temperatura que até o poeta Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe uma crônica, na terça-feira da semana passada. Mas, afinal, de que maneira o vírus da “Travolteca” (como prefere chamar Drummond) se instaurou no organismo da juventude? (Joaquim Ferreira dos Santos e Luiz Henrique Fruet)


Anúncio da revista Dancin' Days (O Globo, 6 de agosto de 1978)

Um filme italiano de 1979, no entanto, foi às últimas consequências e arranjou um ator que fisicamente lembrava muito o Travolta original daquela época. O enredo da comédia era o mais simplório possível: o tímido e desajeitado Gianni (Giuseppe Spezia) trabalha como cozinheiro em um hotel bacana. Ele passa seu tempo livre na discoteca local (chamada, não por acaso, de John's Fever), olhando de longe a DJ do clube, Illona (Ilona Staller), por quem tem uma paixão platônica.

Os amigos do rapaz (que também são seus colegas de trabalho no hotel) só pensam em se requebrar na discoteca e querem que ele deixe de ser tão medroso e se apresente a Ilona. Mas sua timidez e total falta de jeito na pista de dança o impedem.




Um dia, ao fazerem uma piada e desenharem bigode e óculos em um pôster do John Travolta, os amigos galhofeiros de Gianni percebem que ele é simplesmente a cara de John Travolta, apesar do bigode e do visual careta. A partir disso, empreendem uma força-tarefa para deixar Gianni (o equivalente italiano de “Johnny”) descolado e ainda mais parecido com John Travolta.







Mas a turma não se contenta só com isso: quer que Gianni aprenda a dançar e participe de um concurso de dança na discoteca, para impressionar Ilona e se declarar a ela. Mas será que aquele sujeito totalmente desengonçado vai conseguir tal proeza?





Esta paródia de Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever, 1977), escrita por Neri Parenti, foi também sua estreia como diretor. Na Itália ele é mais conhecido como diretor de cinepanettone (filmes de comédia exibidos na época do Natal).




O título original do filme em italiano — John Travolto... da un insolito destino [John Travolto... por um destino insólito] — é uma brincadeira com o nome de outro filme italiano, Travolti da un insolito destino nell'azzurro mare d'agosto (1974), de Lina Wertmüller, que poderia ser traduzido como “levada por um destino insólito no mar azul de agosto”. No Brasil, ficou Por um Destino Insólito. Ganhou remake estrelado por Madonna em 2002, Swept Away, que aqui foi Destino Insólito.


Curiosidade: em italiano, travolta é o particípio passado do verbo travolgere, que pode significar "rolar", "deslizar" e "atropelar", mas também tem sentido figurado de "ser arrebatado", "varrido", "impressionado". Além disso, travolta é feminino e singular, enquanto sua forma masculina é travolto.

Digressões à parte, a palavra insólito do título se aplica bem a este filme com ares de chanchada na discoteca. Lançado em maio de 1979 — apenas um ano e meio depois da estreia de Os Embalos de Sábado à Noite — caiu rapidamente no esquecimento, com a ressaca deixada pela disco music, que culminou em seu repúdio, iniciado na segunda metade de 1979. (Mas lá na Itália a disco music ainda teve uma sobrevida que durou até o começo dos anos 1980, embora no resto do mundo já fosse uma “onda passada”.)

No filme John Ttravolto...da un insolito destino, os próprios personagens vão ao cinema assistir a Os Embalos de Sábado à Noite. A semelhança física de Giuseppe Spezia com o próprio John Travolta é, de fato, impressionante. E naquela época, não só os concursos de dança eram comuns nas discotecas do mundo todo, como também concursos de sósias de Travolta, muitos deles transmitidos pela TV (como no filme Tony Manero, citado na abertura deste post).




Foi o único papel de Giuseppe Spezia, que costumava aparecer na TV italiana no final dos anos 1970 como sósia italiano e imitador de John Travolta.

Mas a curiosidade maior em relação ao elenco desta fuleira comédia italiana é Ilona Staller, cuja personagem tinha o mesmo nome da atriz. Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, trata-se de ninguém menos que a peituda Cicciolina.

Na época ela ainda não era conhecida fora da Itália. Aliás, Ilona Staller é seu nome de batismo. Na verdade, ela é uma húngara que se naturalizou italiana após se casar e se estabelecer na Itália, ainda na década de 1970. A partir de 1973, ganhou fama com seu programa de rádio chamado Voulez-vous coucher avec moi?, para o qual adotou o nome Cicciolina, que a transformaria em ícone da indústria pornô (e da “pornopolítica”) na década seguinte.




Voltando à comédia em questão, John Ttravolto...da un insolito destino é conhecido por uma penca de diferentes títulos em inglês, como Runaround, Travoltomania, John's Fever, John Travolto, The Face with Two Left Feet e The Lonely Destiny of John Travolto. (Como um filme tão modesto pode ter tantos títulos diferentes?)


E um bônus: para quem curte músicas “obscuras” do cinema italiano, a canção Baby I Love You, que faz parte da trilha sonora, foi composta pelo pioneiro da disco music italiana, Giancarlo Meo, juntamente com Claudio Simonetti, do Goblin — grupo italiano de rock progressivo conhecido por compor trilhas para os clássicos de Dario Argento, Profondo Rosso (1975) e Suspiria (1977). A faixa foi gravada pelo Easy Going, grupo formado por três DJs italianos, e obteve considerável sucesso local.


Easy Going

Um último aviso: não espere nenhuma canção dos Bee Gees neste filme. A trilha sonora — de centavos — contém pastiches baratos de disco music. O tipo de canastrice que agrada a quem curte o gênero (eu me incluo nesse grupo).